sábado, novembro 26, 2005

Notas para uma estratégia de Ecopolis (3)

3.ª e última parte do artigo do Professor Doutor Jacinto Rodrigues, publicado na revista «Arquitectura e Vida» de Março de 2004

7. AGRICULTURA E INDÚSTRIA ECOLÓGICA

Em articulação com a actividade construtiva e também em função de outras actividades como a industrial, deveria proceder-se a uma eco-agricultura que complementarizasse a abertura de novos postos de trabalho às exigências simultâneas da agricultura e indústria numa base ecológica. Um exemplo que me parece interessante estudar é o do incentivo da cultura do cânhamo. Queremos aqui referir, evidentemente, o cânhamo industrial, isto é, a planta Cannabis Sativa L. cujo teor de T.H.C. é inferior a 0,3, não sendo por isso susceptível de ser utilizada como droga. Refira-se ainda que o cultivo desta planta industrial é subvencionado pela União Europeia.A cultura do cânhamo foi praticada no Norte, Centro e Sul de Portugal, ao longo de várias épocas, nomeadamente no fabrico das velas e do cordame para os barcos à vela.
Tem a seguinte particularidade: é uma produção agrícola de fácil manutenção, beneficia os solos e permite, para além da tecelagem, o fabrico de papel e outros materiais. Acontece ainda que, através de processos recentes, esta planta está a ser utilizada na bioconstrução.
Também a transformação tecnológica do bambú chinês “miscanthus” poderá vir a possibilitar uma articulação entre a actividade agrícola e a bioconstrução.
São também possíveis outro tipo de actividades agrícolas (permacultura, agricultura biodinâmica) capazes de promover agro-pecuárias ecológicas.

8. TRANSPORTES ALTERNATIVOS

Os transportes públicos não poluentes deveriam constituir uma alternativa à invasão do trânsito urbano.Com os corredores verdes, para além da função depuradora, criam-se circuitos pedonais e ciclovias que poderão permitir conexões entre várias zonas.As passarelas constituem atravessamentos fáceis, permitindo logradouros por onde se espraiam paisagens urbanas.Os centros da cidade, em particular os centros históricos, são avessos ao uso de automóveis.No estado actual, os veículos são poluentes e constituem uma oposição ao uso de hortas urbanas e espaços públicos de lazer e cultura.

9. PARTICIPAÇÃO CONSCIENTE DAS POPULAÇÕES

A prática do urbanismo numa perspectiva ecológica deverá ter em conta a mobilização das populações na detecção dos problemas e sua resolução.
Assim, o eco-urbanismo é, antes de tudo, desígnio estratégico sujeito às múltiplas interacções surgidas ao longo dum percurso que deve ser entendido como processo permanente embora com faseamentos nos objectivos mas que serão sempre sujeitos a constantes avaliações e retroacções.
A “investigação-acção” e o “trabalho de projecto” são as práticas sociais que melhor se coadunam com esta filosofia. A mobilização consciente da população é decisiva. Volto ainda à experiência de Curitiba:
Nalguns festivais culturais, encontros de cinema, teatro ou música promovidos pela municipalidade dessa cidade brasileira, a entrada dos espectáculos é paga com garrafas usadas ou papel para reciclar. Este tipo de mobilização pela positiva é uma forma educativa que sendo alheia a qualquer processo administrativo-repressivo, liga as aspirações às necessidades, promove solidariedade e cooperação num clima social, lúdico e festivo tão necessário à participação popular nos objectivos de interesse público.
Através desse processo, a população vai tomando consciência da problemática ecológica e o planeador deixa de ter a arrogância dum tecnocrata autoconvencido dum qualquer “modelo” estático e “ad eternum...”.

Assim, o eco-urbanismo é um caminho que se faz caminhando, parafraseando o poeta Machado.

No entanto, qualquer intervenção deve ser reflectida e inserida numa óptica projectiva, futurante, pois os dispositivos topológicos são, por natureza, resistentes à mudança. E quando se constroem dispositivos errados, estes funcionam como travão às mudanças, podendo mesmo transformar-se em mecanismos de reprodução de hábitos opostos à necessária e permanente metamorfose social.

Por, Jacinto Rodrigues . Professor catedrático da Universidade do Porto

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