Tudo (e mais alguma coisa) sobre Boassas . Aldeia de Portugal... "A viagem tempera o carácter" (Provérbio árabe)
sexta-feira, junho 28, 2013
sábado, fevereiro 25, 2012
"Cântico Negro" de José Régio
"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
... Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!
José Régio
(E aqui...dito pelo grande João Villaret: http://www2.mat.ua.pt/
sexta-feira, dezembro 23, 2011
O sino da minha aldeia
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro de minha alma.
E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida
Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.
A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.
Fernando Pessoa
terça-feira, agosto 30, 2011
Segredo
Borboletas que vivem e que morrem
Borboletas que voam pelos campos
Borboletas mortas de cores vivas
Num sonho purpúreo enternecido.
São tantas essas borboletas belas
Em voo disforme
E sem compasso!
São a luz e são a morte,
Porque talvez ocultem
O segredo de um túmulo longínquo!
Se elas sentissem, como eu,
O cheiro extenuante desta vida
em bruxuleantes chamas renitentes,
Banhar-se-iam no leite dos lírios brancos
em que o vibrante Sol,
todos os dias,
Se acaricia antes de surgir!
M. Cerveira Pinto
Boassas, Maio de 1958 (in "No dealbar da imensidão", pág. 14)
terça-feira, maio 03, 2011
Ode ao gato
inacabados,
longos de cauda, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco foram-se
formando,
tornando-se paisagem,
adquirindo sinais, graça, voo.
O gato,
só o gato,
apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.
O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente gostaria de ter asas,
o cão é um leão confuso,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca
mas o gato
quer somente ser gato
e todo o gato é gato
desde o bigode ao rabo,
desde pressentimento a ratazana viva,
desde a noite escura até seus olhos de ouro.
Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma coisa única
como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
é firme e subtil como
a linha da proa de uma nave.
Seus olhos amarelos
deixaram uma única
ranhura
para lançar as moedas da noite.
Oh pequeno
imperador sem orbe.
(Pablo Neruda)
sábado, março 19, 2011
DA MINHA ALDEIA
Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquer
...Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista a chave,
Escondem o horizonte, empurram nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a única riqueza é ver.
Fernando Pessoa
quinta-feira, setembro 09, 2010
EM TODAS AS RUAS TE ENCONTRO
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco"
(Mário Cesarinny)
quarta-feira, abril 07, 2010
Os amigos
segunda-feira, dezembro 28, 2009
Rio de Ouro

Rio de Ouro
Amo este e não outro
O de prata é lindo - ouço dizer
O brilho está em quem nas margens vive
Quero este e não outro
O Tejo é mais imponente - há quem o julgue
A força está nas margens que lhe dão vida
Sinto este e não outro
O Ganges é local de oração - dizem as escrituras
Apenas este desperta a fé que preenche o meu coração
Adriana Carmezim in "No Silêncio do Amor", 2005
terça-feira, janeiro 20, 2009
Auto-censura

Para uma melhor informação ver o "dossier" do jornal "Público": "Guerra em Gaza"
quarta-feira, dezembro 24, 2008
O Natal visto por Rubens e Jorge de Sena

Natal de 1971
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?
Ou de quem traz às costas
As cinzas de milhões?
Natal de paz agora
Nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
Num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
Roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
Em ser-se concebido,
Em de um ventre nascer-se,
Em por de amor sofrer-se,
Em de morte morrer-se,
E de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
Quando a fome ainda mata?
Natal de qual esperança
Num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
Com gente que é traição,
Vil ódio, mesquinhez,
E até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Ou dos que olhando ao longe
Sonham de humana vida
Um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
E torturados são
Na crença de que os homens
Devem estender-se a mão?
Jorge de Sena, Exorcismossegunda-feira, janeiro 15, 2007
sábado, fevereiro 18, 2006
Momento de poesia em tempos conturbados...
Meu coração tornou-se capaz
de assumir qualquer forma;
ele é um pasto para gazelas e um convento para monges cristãos,
um templo para ídolos e a Caaba dos peregrinos,
as tábuas da Torah e o livro do Corão.
Eu sigo a religião do Amor:
qualquer que seja o caminho que o Amor toma,
esta é a minha religião e a minha fé.
Agradeço ao António e ao seu brilhante "Local & Blogal".
Xucrán jazilah, pois...