Os estatutos da Associação Por Boassas [APOBO] mencionam que esta tem por fim o desenvolvimento, salvaguarda, promoção e divulgação da aldeia com especial incidência em algumas áreas, entre as quais aquelas de tipo ambiental e ecológico. Deste modo, gostaríamos que o desenvolvimento de Boassas se começasse a fazer tendo como orientação alguns dos princípios ecológicos e éticos que norteiam o movimento das "ECOALDEIAS". Assim, nesta perspectiva, penso que fará todo o sentido transcrever o artigo intitulado:
"O Significado global do movimento das ecoaldeias"
Por Ted Trainer (Faculdade de Letras da Universidade de Nova Gales do Sul, Kensington, Austrália)
«Defendi com ardor, em várias situações, que o destino do planeta depende do sucesso do Movimento das Ecoaldeias. A sociedade actual, assente no triângulo indústria-riqueza-consumismo, é insustentável e injusta, envolvendo taxas de utilização de recursos per capita que são impossíveis de atingir por toda a população. Os países ricos apenas podem manter esses níveis porque estão a retirar muito além da parcela dos recursos mundiais a que têm direito, condenando assim, milhões de seres humanos a níveis extremos de pobreza. Contudo, o objectivo último da sociedade em que vivemos continua a ser o crescimento económico! Isto é, trabalha-se para aumentar ilimitadamente os níveis de produção e de consumo, o nível de vida e o PIB.
Alguns simples indicadores bastam para percebermos a impossibilidade e o absurdo deste tipo de mentalidade (para uma análise mais detalhada ver Trainer, 1995, 1998). Se, em 2070, todos os habitantes do planeta tivessem a possibilidade de atingir o nível de vida que se tem hoje nos países ricos, necessitaríamos de 8 vezes mais terra produtiva no planeta do que a que possuímos agora, e teríamos de produzir 8 a 10 vezes mais quantidade de minério e de combustível do que no presente.
Quando a magnitude desta realidade for compreendida, chegar-se-á à conclusão que não será possível atingir uma ordem mundial justa e sustentável sem uma mudança drástica para um “modo mais simples de viver”, ou seja, para um estilo de vida mais despojado materialmente, utilizando apenas o estritamente necessário a uma boa qualidade de vida, assente na cooperação, e em comunidades relativamente auto-suficientes inseridas num sistema económico totalmente novo.
De que forma poderemos contribuir para que se faça a transição para um ordem mundial sustentável? Na minha opinião, a resposta está em desenvolver ecoaldeias de tal modo exemplares que, quando o modelo actual de sociedade de consumo falhar, as pessoas possam perceber que existe outra alternativa, uma alternativa mais sã, viável, atractiva, justa e ambientalmente sustentável.
A responsabilidade do Movimento das Ecoaldeias é, por isso, enorme. O “modo mais simples de viver” não será desenvolvido pelos governos, corporações, economistas ou entidades oficiais. Só se disseminará se pequenos grupos de indivíduos resolverem construir estas novas comunidades pelos seus próprios meios. Provavelmente, teremos apenas cerca de 20 anos para fazer desta alternativa uma alternativa viável e globalmente aceite, pois é possível que ainda antes de 2020 enfrentemos uma grave crise de falta de petróleo (Campbell, 1997).
Pessoalmente, penso que este cenário fornece vários pontos importantes nos quais o Movimento das Ecoaldeias se pode focar. Em primeiro lugar, devemos centrar a nossa atenção, mais especificamente, em conceitos como a simplicidade, a auto-suficiência e a cooperação no âmbito de sistemas económicos não movidos pelo lucro e crescimento económico gerados pela economia de mercado. Tenho conhecimento de que muitas das comunidades que se autodenominam "ecoaldeias", não têm verdadeiramente em conta este tipo de princípios. Na verdade, muitas albergam estilos de vida e habitações típicas do mais puro consumismo, e ainda individualismo, pouca produção colectiva e auto-suficiência, e propriedades comunitárias.
Em segundo lugar, desenvolver apenas algumas aldeias modelo não servirá de muito. A tarefa essencial é fazer com que a sociedade de consumo perceba que existem realmente comunidades e estilos de vida que permitem uma ordem mundial sustentável e também uma boa qualidade de vida. Por essa razão, devemos levar a cabo uma incansável campanha pedagógica, mas, até à data, o Movimento das Ecoaldeias não conseguiu resultados satisfatórios neste domínio. Muitos de nós continuam a gozar um estilo de vida alternativo, sem se preocupar demasiado em fazer com que as pessoas que vivem na sociedade de consumo percebam o significado global do movimento.
Em terceiro lugar, é necessário estabelecer ligações mais eficazes com outros focos existentes de oposição à sociedade de consumo, tal como organizações ambientalistas, grupos do Terceiro Mundo, e organizações de Esquerda. O importante é demonstrar a estes grupos que a possibilidade de atingirem os seus objectivos (eliminação da pobreza, libertação do Terceiro Mundo, paz global e salvar o ambiente) passa necessariamente pela adopção do estilo de vida vivido nas ecoaldeias.»
Ted Trainer
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