terça-feira, agosto 02, 2005

Carta sobre o Património Construído Vernáculo (II)

A destruição do património construído vernáculo de Boassas tem sido uma preocupação constante e é um dos pontos fulcrais da acção da Associação Por Boassas. Continuamos e concluímos, assim, a publicação da "Carta sobre o Património Construído Vernáculo", na esperança de que se sensibilize quem de direito, para que se pare, definitivamente, a destruição desta imensa riqueza local e que se preserve ainda (e recupere) o que for possível, nesta aldeia agora classificada como "Aldeia de Portugal" e que espera honrar esse epíteto e essa distinção. Trata-se de uma carta complementar à Carta de Veneza, formalizada pela Comissão Científica Internacional sobre a Arquitectura Vernácula (CIAV), "criada em 1976, no seio do Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios (ICOMOS) e que procura aprofundar o estudo e os meios para a preservação da arquitectura dita "popular" em todo o mundo. Composta por peritos de vários países, a CIAV promove um congresso científico anual, colabora na apreciação de candidaturas a património mundial na área da arquitectura popular e elaborou a Carta sobre o Património Construído Vernáculo." (Miguel Brito Correia, in: "Pedra e Cal", ano VI, n.º 25, Março de 2005, pp. 35)

PRINCÍPIOS DE CONSERVAÇÃO
«1. A conservação do património construído vernáculo ou tradicional deve ser realizada por especialistas de diversas disciplinas, que reconheçam o carácter inevitável da mudança e do desenvolvimento, bem como a necessidade de respeitar a identidade cultural das comunidades.
2. As intervenções contemporâneas nas construções, nos conjuntos e nos povoados de expressão vernácula devem respeitar os seus valores culturais e o seu carácter tradicional.
3. O património vernáculo raramente se exprime através de construções isoladas. Será, pois, melhor conservado se forem mantidos e preservados os conjuntos e os povoados representativos de cada região.
4. O património construído vernáculo é parte integrante da paisagem cultural e essa relação deve ser tomada em consideração na preparação de programas de conservação.
5. O património vernáculo abrange não apenas as formas e os materiais dos edifícios, estruturas e espaços, mas também o modo como estes elementos são usados e interpretados pelas comunidades e ainda as tradições e expressões intangíveis que lhes estão associadas.

ORIENTAÇÕES PRÁTICAS
1. Investigação e documentação
Qualquer intervenção física em património vernáculo deve ser cautelosa e precedida de uma análise completa da sua forma e organização. A documentação recolhida deve ser conservada em arquivos acessíveis ao público.
2. Relação com a paisagem
As intervenções em património construído vernáculo devem respeitar e manter a integridade dos sítios onde este património se implanta, bem como a relação com a paisagem física e cultural e ainda garaatir as relações de harmonia entre as construções.
3. Métodos tradicionais de construção
A continuidade dos métodos tradicionais de construção e das técnicas e ofícios associados ao património vernáculo são fundamentais para o restauro e reconstrução destas estruturas. É através da educação e da formação que estes métodos e este domínio das técnicas e ofícios devem ser conservados, registados e transmitidos às novas gerações de artífices e construtores.
4. Substituição de materiais e de elementos arquitectónicos
As transformações que satisfaçam legitimamente as necessiadades contemporâneas devem ser realizadas com materiais que assegurem uma coerência de expressão, de aspecto, de textura e de forma com a edificação original.
5. Adaptação e reutilização
A adaptação e a reutilização de construções vernáculas devem ser efectuadas respeitando a integridade, o carácter e a forma destas estruturas e compatibilizando a intervenção com os padrões de habitabilidade desejados. A perenidade dos métodos tradicionais de construção pode ser assegurada através da elaboração, pela comunidade, de um código ético ajustável às intervenções.
6. Critérios relativos a alterações
As alterações feitas ao longo do tempo nos edifícios devem ser consideradas como parte integrante da Arquitectura Vernácula. Por isso, a sujeição de todos os elementos de uma edificação a um período histórico único não deve constituir, normalmente, o objectivo das intervenções no património vernáculo.
7. Formação
Para conservar os valores culturais da Arquitectura Vernácula ou tradicional, os governos e as autoridades competentes, as associações e as organizações ligadas a estes objectivos devem dar prioridade:
a) A programas educativos que transmitam os fundamentos do património vernáculo aos técnicos ligados à sua salvaguarda;
b) A programas de formação para apoiar as comunidades a preservar os métodos e os materiais tradicionais de construção, bem como as respectivas técnicas e ofícios;
c) A programas de informação que sensibilizem o público, nomeadamente os jovens, para o valor da arquitectura vernácula;
d) Às redes inter-regionais de arquitectura vernácula para intercâmbio de conhecimentos e experiências.»

(in: LOPES, Flávio; CORREIA, Miguel Brito, Património Arquitectónico e Arqueológico, Cartas, Recomendações e Convenções Internacionais, Lisboa, Livros Horizonte, 2004, pp. 285-288.)

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