Aqui se apresenta, em primeira mão a capa do novo livro da escritora (de ascendência boassense) Lúcia Vaz Pedro, de quem já aqui falámos, bem como um excerto do mesmo que a autora generosamente nos enviou. O desenho da capa é da autoria de Soraia Pereira e o lançamento da obra está agendado para Outubro
"(…) Naquela noite de Abril, o casarão rodopiou no eco do piano. Com o olhar frio e bélico, Olinda sentou-se, folheou as partituras e puxou o banco para trás.
Iniciou com o Prelúdio em Sol Sustenido Maior de Rachmaninov.
De sentido apurado, o gato acomodou-se para a ouvir tocar. Conhecia de cor aquele toque duro e ferido.
As paredes empalideceram com as imagens que desfilavam nos dedos enrugados da mulher e, de cada vez que carregava mais forte nas teclas, as estátuas estremeciam a dor sentida. O terror apoderava-se da casa. Uma batalha sangrenta de sons atingia o auge transbordando a raiva muda de palavras. E ela continuou, forte, hercúlea, com o Estudo em Dó Sustenido Menor de Scriabin. Os dedos possuídos atiraram as notas como pedras, cerrando-lhe as pálpebras dos olhos humedecidos.
No piano desaguou a revolta calada por tudo o que já não era capaz de dizer. Entre a música e ela travou-se um duelo de gigantes transpirados de suor doentio e velho e as palavras engravidaram de notas nas teclas do piano de cauda, ora prenhes de sofrimento ora de amor: nunca mais te vou esquecer, a minha alma está rendida à saudade de ti, meu amor. Onde te poderei encontrar de rosto seco? Sinto as ondas do teu sangue que correm pelo meu corpo e um remoinho feito de tempestade salta o mar salgado e adormece impávido de raiva e dor. Que raio ou trovão nos separou, nos abandonou no céu rasgado, nos traiu de peito alado? Que mar ou rio nos afogou, nos levou o olhar salgado, nos abandonou, naufragados? Que raiz ou árvore nos plantou em planaltos separados, em continentes afogados, em muros tão elevados? Eu sei, mas não me rendo, e, distante, o meu destino escuta o bater do sino na ânsia de te rever!...
Por fim, os dedos pousaram e adormeceram, cansados, nas teclas do piano poderoso.
O silêncio aproximou-se da solidão e engoliu o espaço. Olinda recolheu-se no quarto, seguida pelo gato preto, vagaroso e incondicionalmente leal."
In «A Voz Da Minha Solidão», Lúcia Vaz Pedro, editora Ideias e Rumos
"(…) Naquela noite de Abril, o casarão rodopiou no eco do piano. Com o olhar frio e bélico, Olinda sentou-se, folheou as partituras e puxou o banco para trás.
Iniciou com o Prelúdio em Sol Sustenido Maior de Rachmaninov.
De sentido apurado, o gato acomodou-se para a ouvir tocar. Conhecia de cor aquele toque duro e ferido.
As paredes empalideceram com as imagens que desfilavam nos dedos enrugados da mulher e, de cada vez que carregava mais forte nas teclas, as estátuas estremeciam a dor sentida. O terror apoderava-se da casa. Uma batalha sangrenta de sons atingia o auge transbordando a raiva muda de palavras. E ela continuou, forte, hercúlea, com o Estudo em Dó Sustenido Menor de Scriabin. Os dedos possuídos atiraram as notas como pedras, cerrando-lhe as pálpebras dos olhos humedecidos.
No piano desaguou a revolta calada por tudo o que já não era capaz de dizer. Entre a música e ela travou-se um duelo de gigantes transpirados de suor doentio e velho e as palavras engravidaram de notas nas teclas do piano de cauda, ora prenhes de sofrimento ora de amor: nunca mais te vou esquecer, a minha alma está rendida à saudade de ti, meu amor. Onde te poderei encontrar de rosto seco? Sinto as ondas do teu sangue que correm pelo meu corpo e um remoinho feito de tempestade salta o mar salgado e adormece impávido de raiva e dor. Que raio ou trovão nos separou, nos abandonou no céu rasgado, nos traiu de peito alado? Que mar ou rio nos afogou, nos levou o olhar salgado, nos abandonou, naufragados? Que raiz ou árvore nos plantou em planaltos separados, em continentes afogados, em muros tão elevados? Eu sei, mas não me rendo, e, distante, o meu destino escuta o bater do sino na ânsia de te rever!...
Por fim, os dedos pousaram e adormeceram, cansados, nas teclas do piano poderoso.
O silêncio aproximou-se da solidão e engoliu o espaço. Olinda recolheu-se no quarto, seguida pelo gato preto, vagaroso e incondicionalmente leal."
In «A Voz Da Minha Solidão», Lúcia Vaz Pedro, editora Ideias e Rumos
2 comentários:
Estou ansiosa pelo novo romance desta escritora. Li o seu último livro e adorei e, quando procurei informação na net sobre ela, encontrei este site, assim como mais informações.
Lilina Cabral, Guarda
Cara Liliana Cabral
Apenas para agradecer o comentário e a sua participação neste espaço. Volte sempre. Até breve.
Manuel da Cerveira Pinto
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