Alternativa ao Capitalismo na Era da Globalização
Por: Jacinto Rodrigues
Resumo
Não é possível construir uma sociedade de justiça social sem mudança do modelo territorial energético, baseado na sustentabilidade ecológica.
A ecologia, como fundamento substantivo da política e da técnica, torna-se essencial para a alternativa ao paradigma do capitalismo na fase da globalização.
Palavras-chave:
Desenvolvimento ecologicamente sustentado
Ecodesenvolvimento
Eco-ciência planetária
Mesmo para o cidadão comum, de hoje, é uma evidência constatar a evolução do capitalismo e reconhecer a especificidade desta etapa que se designa de globalização.
Porém, a questão essencial é saber se a natureza do sistema capitalista mudou.
a) Será que desapareceram a exploração, dominação e as injustiças sociais que advêm desse modelo social?
B) Encontrou este modelo capitalista um processo de concertação dos seus antagonismos, inerentes ao seu processo de funcionamento?
c) Que ocorreu em relação à capacidade de resposta dos grupos sociais explorados e dominados, aos novos processos de economia transnacionalizada na sua nova fase do capitalismo financeiro, “financiarização”, de cibernetização tecnológica, “informatização” e alargamento manipulatório “mediatização”? (AMIN 1997))
No estado actual, a etapa da globalização alargou a economia de mercado para uma fase cada vez mais gravosa para com o equilíbrio da biosfera. O valor de uso dos produtos tornou-se presa de interesses financeiros dominantes. O oligopolismo, ou seja, o capital financeiro sobrepôs-se à lógica de investimentos produtivos. A geopolítica do capital transnacionalizado impôs modelos sociais/militares e tecnológicos mundializados.
A generalização de uma tecnologia que produza um antagonismo crescente em relação à biosfera.
Esse antagonismo crescente revela-se essencialmente pelo facto de que este modelo tecnológico funciona como uma predacção exterminadora dos bens planetários criando simultaneamente resíduos superiores à reciclagem de que dispõe a biosfera.
Os eco-sistemas são violentados pelo alargamento duma tecnologia produtora de esgotamento energético e matérias-primas, ao mesmo tempo que gera lixos tóxicos.
A generalização desse antagonismo capitalismo versus natureza, acompanha e agrava outros antagonismos essenciais. Cresce o fosso ente os grupos cada vez mais reduzidos, detentores do meios de dominação, produção e alienação e o resto da sociedade que, por sua vez, se decompõe em grupos sociais integrados e outros excluídos.
Cresce o fosso entre regiões onde o crescimentos se realizou à custa da periferia despojada dos seus próprios meios naturais de subsistência.
Por outro lado, ocorrem antagonismos também entre os próprios detentores do capital porque a concentração e a concorrência inerente ao modelo mercantil acentua rivalidades em torno da conquista do poder dominante. A concentração faz-se através do aniquilamento dos mais fracos que têm de se sujeitar a essa geo-estratégia de concentração.
O modelo tecnológico, aparece com uma lógica de produtivismo quantitativo que insinua um progresso social. A tecno-ciência mecanicista/positivista (sem uma base ecológica e assente na energia fóssil e na poluição) constitui a trama essencial da produção. Com efeito, dos transportes à agro-indústria, o modelo tecno-científico hegemoniza o tipo de crescimento da economia capitalista.
O sistema de ensino do Estado, privado ou empresarial, constitui um pilar de reprodução do próprio sistema. A socialização cultural é substituída pela institucionalização escolar. Esses referentes paradigmáticos interferiram na estrutura cognitiva, criando e reflectindo uma concepção de ciência e de cultura. Os “epistemes” são produzidos e reproduzidos nesta “grelha de interpretação”(WALLACE 1963) que interessem a manutenção social.
A organização territorial consolida a integração social de maiorias e exclusão de minorias não adaptativas.
A concentração urbana caracteriza esse habitat alheado do eco-sistema. Mas a organização territorial desta fase de globalização tem gerado dispositivos topológicos (FOUCAULT, 1976)) que constituem formas de integração e de dominação cada vez mais sofisticadas. A maquilhagem formal, a espectacularidade das edificações, escondem adestramentos comportamentais das populações e marcam com geo-estratégias complexas, a reprodução alargada da força de trabalho, o domínio manipulatório e/ou compulsivo de hábitos (BOURDIEU-PASSERON, 1964)), de formas de vida e de consumo.
Durante o processo da mundialização da economia capitalista, através das formas coloniais ou neo-coloniais, as sociedades tradicionais de economia de subsistência apresentaram, e apresentam ainda hoje, resistências à imposição desse modelo capitalista, social, tecnológico, territorial e educativo.
Essas sociedades tradicionais não têm actividades puramente económicas. A caça e a agricultura são actividades familiares e comunitárias. Como refere Polanyi,(POLANYI, 1980)) os princípios dessas sociedades vernaculares são formas de reciprocidade que estabelecem um tecido de obrigações mútuas estreitando os laços entre os membros da comunidade. (Goldsmith, 1995)
A tecnologia e o habitat das sociedades vernaculares constituem as formas de estar duma sociedade em busca da auto-suficiência, que obedece às imposições do nicho ecológico em que a comunidade se insere
O processo educativo na sociedade, confunde-se com a socialização, vigorando o processo de adaptação à comunidade e ao eco-sistema de que são dependentes.
O processo colonial e neo-colonial instaura-se essencialmente pelo sistema tecnológico e pelos novos dispositivos territoriais. São estes elementos fortes que facilitam a “pilhagem” e produzem a catástrofe das populações nativas.
O habitat e a tecnologia tradicionais, não produziam esgotamento dos bens naturais. Os detritos eram reciclados pelo ecosistema local.
A transmissão de doenças era menos fatal nas comunidades isoladas do que em populações concentradas e em situações degradadas das aglomerações urbanas.
As relações de economia de mercado vieram acelerar a desintegração dos ecosistemas pois os valor de uso ao ser substituído por valor de troca, provocou a delapidação das florestas, aumentou a desertificação e intensificou processos de concorrência que levaram a conflitos étnicos e às guerras.
Ao estabelecermos estas constatações sobre as sociedades vernaculares não queremos, contudo, considerá-las isentas de limitações e portanto não é nosso ensejo apresentá-las como o paradigma alternativo ao modelo técnico-científico do capitalismo.
As ideologias colonial e neo-colonial esforçaram-se em tecer juízos de valor sobre as sociedades vernaculares, querendo ddemonstrar a supremacia do modelo cultural e civilizacional dos países de economia dominante. Foi o pretexto para legitimarem a colonização. Foi e é o discurso ideológico dominante.
Quisemos caracterizar a situação das sociedades vernaculares mostrando como as sociedades colonizadoras, contribuíram para o desequilíbrio entre o homem e a biosfera.
O que se pretende nesta comunicação é formular uma decifração ecológica dos paradigmas entre essas sociedades, que ultrapasse a mera análise “económica”. Por isso formular uma alternativa significa ultrapassar os quadros referenciais do paradigma científico e moderno. Significa também ultrapassar antigos paradigmas em que a sujeição da humanidade ao envolvimento ecosistémico era quase total.
Ultrapassar a atitude destruidora do modelo capitalista e ultrapassar a atitude adaptativa do modelo de sociedade tradicional é o desafio que se põe para a formulação dum paradigma futurante.
Entre destruição e sujeição existe a possibilidade de uma sociedade capaz de integrar os ecosistemas de um modo activo, de maneira a tornar mais conscientes as relações dos homens com os seres vivos e com o biótopo.
O alargamento da consciência planetária, o aparecimento de propostas ecotécnicas (energias renováveis e uma produção com resíduos recicláveis) e ainda o surgimento das novas formas de organização territorial ecologicamente sustentada, permitem apontar como possível, esta “utopia” social, baseada no desenvolvimento ecologicamente sustentado.
Para isso há que encarar as soluções para os antagonismos sociais mas também formular, simultaneamente, respostas às conflitualidades na biocenose e entre a biocenose e o biótopo.
Não existem portanto, soluções político-económicas em estrito senso. Política e economia enquadram-se numa eco-política mais geral, como seja a gestão do próprio planeta. Em última instância é de uma eco-sofia em processo a que teremos de recorrer para esta hipótese alternativa de paradigma.
A história da humanidade aparece apenas como um processo parcelar duma mais vasta aventura planetária. No entanto, para a humanidade, as experiências já vividas nos diferentes modos de produção, nos diversos complexos tecnológicos e energéticos, nos diversos paradigmas político-filosóficos, permitem experiência e teoria para o desenvolvimento futuro.
As aspirações por uma sociedade mais justa e solidária, ficaram assinaladas ao longo da história, por grandes movimentos de libertação. Estes movimentos sociais, só de uma forma vaga e às vezes paradoxal, referenciaram a problemática ecológica. Essas aspirações confundiram-se, umas vezes, com o mimetismo passivo à mãe terra, outras vezes, com o grito Prometaico, portador da sociedade industrial. Outras vezes ainda, ao contrário, orientaram-se para uma sabotagem do surto tecno-científico do sistema fabril.
Com o advento da teoria ecológica, reformulam-se os quadros da ciência positivista e das ideologias sociais. Reencontramos proximidades entre a geo-cosmogonia mágica nativista e as revelações duma complexidade holística da teoria ecológica. Mas há diferenças qualitativas no alargamento da consciência planetária e na capacidade de controlo da humanidade para o equilíbrio ou desequilíbrio entre a organização social e a biosfera.
Se, através da tecnociência se conseguiram autênticos massacres na biosfera, criando a poluição generalizada, a devastação das florestas, a desertificação dos solos, a contaminação das águas, a partir da investigação eco-técnica é possível a produção de protótipos de energias renováveis que não esgotem os bens naturais nem poluam o planeta.
A evolução do conhecimento nas ciências do território, permite a implantação de novos habitats integrados no ecosistema.
O habitat, território, desenvolvimento, bioagricultura, ecotécnica, produção e reciclagem, são corolários sistémicos para um desenvolvimento ecologicamente sustentado.
É nesta configuração territorial e com estes novos dispositivos eco-tecnológicos que se podem propiciar novos comportamentos e atitudes solidárias mais consentâneas com as aspirações de justiça social.
Estes lugares matriciais podem assim, facilitar uma socialização solidária, uma eco-territorialização e uma eco-técnica imprescindíveis para a concretização desta utopia realizável.
Esta utopia não é um “modelo”. É um processo de mudança alternativa à sociedade tradicional de subsistência e à sociedade de globalização do capitalismo neo-liberal.
No terreno prático, o que se pretende, neste artigo, é defender o eco-desenvolvimento (SACHS, 1995) como alternativa para qualquer das sociedades. Qualquer que seja a etapa de crescimento, terá que ter uma opção tecnológica e territorial ecologicamente sustentável que possa auferir experiência prática, teórica e científica da humanidade.
As sociedades vernaculares ou tradicionais, têm uma proximidade material das preocupações ecológicas. Mas, ao mesmo tempo, encontram-se longe das opções reflexivas que podem garantir pela eco-técnica actual, uma melhoria das tecnologias apropriáveis, tradicionais. Contudo, nas sociedades do capitalismo global, será necessária a reconversão da tecnociência à ecotécnica. Terá que surgir uma “medicina planetária” (LOVELLOCK, 1998) capaz de curar as mazelas do crescimento produtivista.
Cresceram os perigos gerados pelo modelo de crescimento. A vida quotidiana dos cidadãos é cada vez mais marcada pelos desastres ecológicos, quer sejam alimentares quer sejam climatéricos.
Há cada vez mais movimentos que tomam consciência planetária desses perigos e mais claramente surgem alternativas concretas no domínio da eco-técnica, da organização territorial e do modo de vida. São experiências exemplares que tendem a multiplicar-se.
Novas formas organizativas, como redes não hierarquizadas onde a unidade se estabelece pelo direito à diferença, despontam em todos os países. Da federação destas organizações e da participação duma “ciência cidadã” (IRWIN 1998) surgem já expressões dum internacionalismo solidário no desenvolvimento ecologicamente sustentado, visível em Seatle e Porto Alegre.
Jacinto Rodrigues
(professor catedrático da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto)
Referências bibliográficas
(1) Amin, Samir, “Imperialismo e Desenvolvimento Desigual”, 1998, Ed. Ulmeiro
“Eurocentrismo”, 1999, Ed. Dinossauro
“Desafios da Mundialização”, 2001, Ed. Dinossauro
(2) Bourdieu-Passeron, “Les Heretiers”, 1964, Ed. Minuit, Paris
(3) Foucault, Michel, “La gouvernementalité” in « Magazine Litteraire », nº 269, 1998
«Surveiller et Punir», 1976, Ed. Gallimard, Paris
(4) Goldsmith, Edouard “Desafio ecológico”, 1995, Ed. Inst. Piaget
(5) Irwin, Alane, “Ciência Cidadã”, 1998, Ed. Inst. Piaget
(6) Lovellock, James, “Ciência para a Terra”, 1998, Ed. Terramar
(7) Polanyi, K. “The Great Transformation”, 1980, N.Y.
(8) Sachs, Ignacy, “Norte-Sul: Confronto ou Cooperação?” in “Estado do Ambiente no Mundo”, 1995, Ed. Inst. Piaget
(9) Wallace, A.F.C. “Culture and Personality”, 1963, Ed. Rondon House, N.Y.